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quarta-feira, 9 de novembro de 2016

CORPO: A CASA QUE O ADOLESCENTE NÃO MORA EM TRANSFORMAÇÃO NAS AULAS DE ARTE


XX INIC / XVI EPG / VI INID - UNIVAP 2016

Isabela de Sousa Nogueira1, Me. Lindsay Caroline de Brito Ribeiron



Resumo - O corpo contemporâneo é objeto de fragmentação artística e, ao mesmo tempo, tal fragmentação é o que cria sua identidade diante do mundo. Segundo Santanna (1996), conhecer seu próprio corpo na contemporaneidade é qualidade riquíssima, já que ser é considerado menor que ter. Dessa forma, para que o corpo seja parte importante dessa sociedade, é necessário que se tenha total controle sobre tal e esse controle é saber manipulá-lo para que passe a imagem exata do que quer que os outros vejam. Ainda assim, para o controle desse corpo e do encontro dessa identidade, segundo Pires (2006), é necessária a aquisição de adornos que o diferenciem e ao mesmo tempo, o faça pertencer a um certo grupo social. Na adolescência, o trabalho de corpo em sala de aula faz-se necessário devido ao momento de descobertas em que os estudantes se encontram e as aulas de arte podem trabalhar adequadamente esse corpo contemporâneo habitado pelos jovens, colaborando para a descoberta de suas identidades e as maneiras de lidar com as situações atuais da sociedade.


Palavras-chave: arte, educação, identidade, contemporaneidade, arte educação.
Área do Conhecimento: Educação

Introdução

Na contemporaneidade, a fragmentação do corpo, vista por Calabrese (1998) como “[...] perda da integridade, da globalidade, da sistematicidade ordenada em troca de uma instabilidade, da polidimensionalidade, da mutabilidade [...]” (CALABRESE apud RIBEIRO, 2009), está cada dia mais desvelado e manifesto na necessidade de um corpo que fuja dos padrões tradicionais impostos pela sociedade numa cultura ocidental secular. É o que faz com que a arte possa criar novas maneiras de enxergá-lo, desestetizando-o e resignificando-o dentro dessa nova sociedade, sendo ele, símbolo de identidade, principalmente na fase da adolescência.
Só há possibilidade da fragmentação desse corpo se pensarmos no seu oposto, se houver conhecimento do mesmo por completo. Sendo assim, desde o mutilado, colocado, opcional, até atitudes não escolhidas pelo homem são elementos que compõe a identidade do ser, sua diferenciação e exclusividade.
A etimologia da palavra identidade está relacionada à circunstância do indivíduo ser aquele que diz ser ou ser aquele que outrem presume que ele seja1. Tratando-se do sujeito pós-moderno, segundo Hall (1992), a ideia de uma identidade unificada e segura é fantasiosa, já que o sujeito compõe-se de diversas identidades para diversos momentos e as mesmas nem sempre são coerentes entre si, principalmente tratando-se da fase da adolescência, tratada a seguir.

O adolescente e a sala de aula

Segundo Arminda Aberastury (1981), o adolescente passa por três lutos: do corpo infantil perdido, sentindo-se totalmente impotente diante dessa mutação; pela identidade infantil, agora ele precisa aceitar as responsabilidades que lhe são dadas; pelos pais da infância que agora têm de aceitar seus filhos como adultos. Diante de toda a instabilidade causada por esses lutos, ainda há de se considerar a frustração de estar em um mundo que não aceita seus imprevistos. Perante tais motivos, o adolescente passa por um chamado “curto circuito” no pensamento que dá espaço à ação física. Em meio a tantos problemas e dor, a sociedade aproveita de sua vulnerabilidade para projetar suas falhas, marginalizando-o psicológicamente, culpando-os por toda a violência adulta e essa mesma violência o reprime, distancia e nega-o a possibilidade de uma vida adulta criativa.
É nesse período de contradições e dores, segundo Arminda (1981) , que o adolescente fica entre a dependência e independência e essas mudanças levam-no a busca de uma nova identidade, pois não quer ser como determinado adulto, mas escolhe outro como ideal e vai modificando-se lentamente até que a maturidade biológica acompanhe a afetiva e intelectual, que só chega quando mune-se de ideologias, confronta teorias, defende um ideal, adquire teorias estéticas, tem respostas às dificuldades da vida e confronta e soluciona as ideias sobre a existência ou inexistência de Deus.
Em sala de aula, o adolescente é condicionado a permanecer sentado, dando lugar ao pensamento e podando sua ação física espontânea. Segundo Therese Bertherat (1985), desde o inicio da vida, adquirimos um repertório mínimo de gestos e não refletimos sobre esses movimentos, sendo assim, não são apenas gestos reduzidos, mas também nossa capacidade de criar. Ao pensarmos na intelectualização do gesto, em um mundo que não o permite agir, a experimentação no ambiente escolar pode mediar o conhecimento e aceitação desse novo corpo que lhe é imposto biologicamente.
Trabalhando de maneira positiva no ambiente escolar, pode-se iniciar o adolescente sobre a morada em seu próprio corpo e a aceitação de suas ações espontâneas. De maneira poética, colocando o corpo como suporte para a arte contemporânea. Para Therese (1976), se descobríssemos como nos orientarmos no espaço e a organização de nossos movimentos, seria possível aumentar nossa capacidade intelectual.

Como o pintor prepara a tela e o escultor, o barro, devemos preparar o corpo antes de usá-lo, antes de esperar dele “resultados satisfatórios”. É o estado do corpo que, a priori, determina a riqueza das experiências vividas. O corpo lúcido toma iniciativas, não se contenta mais com receber, aguentar, “engolir”. Ao tomar consciência do corpo, damos-lhe a ocasião de comandar a vida. BERTHERAT, Therese (1976 p.107)

Sendo assim, preparando o corpo do adolescente a partir das experiências artísticas e corporais vividas por ele por meio do conhecimento das artes do corpo, a tomada de consciência corporal pode levar alguns ao comando de sua vida com responsabilidade, iniciando o ciclo de transformação cada vez que o corpo percebe o mundo, desestabilizando-o, levando ao pensamento e assim, estando pronto para desestabilizar outros corpos e assim sucessivamente (Greiner, 2005, p138).
Creio que o corpo pode também ser entendido como uma casa. E penso também que como a casa ele deve ser polido de tempos em tempos” (ABRAMOVIC apud GUARDA)
Assim, seu corpo será sua casa, onde é seguro e conhecido e ao mesmo tempo, o lugar onde pode intelectualizar e agir a partir de seus movimentos mais simples e, inclusive do que e como se veste, experimentando concomitantemente moda e arte. A partir do conhecimento e aceitação de seu corpo por meio de experimentações artísticas, o adolescente pode conciliar a realidade e seu refúgio fantasioso de criatividade equilibradamente. Transformar esse corpo numa casa acolhedora, com responsabilidades e estabelecendo novos contatos com outros corpos acolhedores que sofrem dos mesmos lutos e desafios.
“Eu pinto-me porque estou muitas vezes sozinha e porque sou o assunto conheço melhor.” (KAHLO apud FRANCISCO, 2009)
A partir da citação da artista Frida Kahlo, podemos pensar de duas diferentes maneiras: usar da arte para se conhecer, experimentando-a e usar da arte para expressar o que já se conhece intelectualmente. Por tal motivo, o adolescente deve trabalhar nas aulas de artes o que mais conhece, ele mesmo. Dessa forma, pode conhecer-se melhor, criar relações de sua vida com o trabalho de algum artista pelo qual sente-se curioso, colocar sua criatividade, dores e vontades nas pesquisas e na produção artística. Para Fayga Ostrower (1977), criar relações é construir uma teia de saberes, que passa pelo mundo, por algum evento em particular e por nós mesmos, e são orientados pelos desejos, expectativas, medos e sentimentos mais íntimos e essas relações criadas nos levam à constante busca de significados, amadurecendo ideias, desenvolvendo a poética pessoal e ao mundo imaginário e experimental.

Considerações

Para John Dewey (1938), é tarefa do educador proporcionar situações para a experiência do estudante que provoquem mobilização de seus esforços e apresentem atividades agradáveis, estimulando-o e preparando-o para experiências futuras. A subjetividade poética do corpo é a realização de uma ação concreta e dinâmica que reposiciona o homem cada vez que ele cria algo, visto que é uma necessidade humana, criando um percurso composto pelo acaso e pelo pensamento racional (SALLES, 2009), introduzindo novas ideias, desenvolvendo sempre o olhar estético e crítico e, segundo Ostrower (1977), crescendo enquanto ser humano.
Por tais motivos, é importante que o adolescente esteja livre para utilizar de sua vivência pessoal e escolar para o desenvolvimento do estudo do corpo, acrescentando sempre sua poética pessoal, tornando-se assim, protagonista e morador de seu próprio corpo.


Referências

ABERASTURY, Arminda; KNOBEL, Mauricio. Adolescência Normal. Porto Alegre: Artmed, 1981.

ARASSE, Daniel. A guilhotina e o imaginário do terror. Ática, 1989.

BARBOSA, Ana Mae. Inquietação e mudanças no ensino da arte. São Paulo: Cortez, 2002.

BERTHERAT, Therese. O Corpo tem suas razões. Editora Martins Fontes, São Paulo, 1985, 9ª ed.

BIRMAN, Joel. Mal-estar na atualidade: a psicanálise e as novas formas de subjetivação. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.

CALABRESE, O. A Idade Neobarroca. São Paulo: Martins Fontes. 1988.

CANTON, Katia. Corpo, Identidade e Erotismo. Martins Fontes, São Paulo, 2008.

COHEN, Renato. Performance como Linguagem. São Paulo, Perspectiva, 1989.

DEWEY, John. Experiência e Educação. Tradução Renata Gaspar. 2. Ed. Petrópolis: Vozes, 2011.

COMPAGNON, Antonie. Os cinco paradoxos da modernidade. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2003.

GREINER, Christine. O Corpo: pistas para estudos indisciplinares. São Paulo: Annablume, 2005.
___. “O corpo artista como desestabilizador de certezas”. In: COCCHIARALE, Fernando & MATESCO, Viviane [curadoria]. Corpo. São Paulo: Itaú Culturakm 2005, p.137.

HALL, Stuart. A IDENTIDADE CULTURAL NA PÓS-MODERNIDADE. DP&A Editora, 1ª edição em 1992, Rio de Janeiro, 11ª edição em 2006, 102 páginas, tradução: Tomaz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro.

LIPOVETSKY, O império do efêmero: a Noda e seu destino nas sociedades modernas, 1989. Companhia das Letras.

MARITAIN, Jacques. A intuição criadora na Arte e na Poesia. Belo Horizonte: UFMG, 1982.

MORAES, Eliane Robert. O Corpo Impossível. Iluminuras, São Paulo 2002.

OSTROWER, Fayga. Editora Vozes. RJ. 187p. 1977.

PIRES, Beatriz Ferreira. O Corpo inciso, transmudado, vazado. Anna Blume, São Paulo, 2009.

PIRES, Beatriz Ferreira. O Corpo como suporte da arte: piercing, implante, escarificação e tatuagem. Editora Senac, São Paulo, 2005.

REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga. São Paulo: Ed. Loyola, 1994: (volII)

RIBEIRO, Lindsay Caroline de Brito Ribeiro. Corpo delével: uma poética da auto imagem distorcida. Campinas, 2012.

RIBEIRO, Regilene. A figura humana fragmentada na pintura contemporânea brasileira. Campinas, 2006.

SALLES, Cecilia Almeida. Gesto inacabado: processo de criação artística. São Paulo: Annablume, 2009.

SANT’ANNA, Denise. Corpos de passagem. São Paulo: Estação Liberdade, 2001.




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